sábado, julho 23, 2011

É HORA DE AGIR PELOS NOSSOS SONHOS-DISCURSO DE MARINA SILVA

“Chegou a hora de acreditar que vale a pena, juntos, criarmos um grande movimento para que o Brasil vá além e coloque em prática tudo aquilo que a sociedade aprendeu nas ultimas decadas,chegou a hora dos que querem viver num país melhor, reinventar o seu futuro no século 21. Que podemos alcançar a democracia que queremos. Que a distância entre o que somos e o que podemos ser não é tão longa se nos dispusermos a começar a caminhada.

Estamos aqui hoje para reafirmar que esta continua sendo a nossa palavra, que vale o que está escrito. Está nesta palavra dada a principal razão pela qual eu mesma e tantos companheiros estamos nos afastando do Partido Verde. Para manter nossa coerência e seguir em frente, em união com aqueles que, embora não se desligando do partido por diversas razões, permanecerão críticos e em consonância com o mesmo pensamento.

A experiência no PV serviu para sentir até que ponto o sistema político brasileiro está empedernido e sem capacidade de abrir-se para sua própria renovação. Se antes dissemos “chegou a hora de acreditar”, afirmo hoje: chegou a hora de ser e fazer, de nos movimentarmos em conexão com as redes e pessoas que expressam a chegada do futuro e o constroem na prática, no dia-a-dia.

A proposta de desenvolvimento sustentável é inseparável de uma política sustentável. Não podemos falar das conquistas de nosso país separando–as da baixa credibilidade do sistema político, dos desvios éticos tornados corriqueiros, da perplexidade da população diante da transformação dos partidos em máquinas obcecadas pelo poder em si e cada vez mais distantes do mandato de serviço que estão obrigados a prestar à população. A ideia de desenvolvimento não pode estar desvinculada da existência de um sistema político democrático consolidado, tanto na sua face representativa quanto na sua imprescindível dimensão participativa direta.

O resultado mais grave da perversão do sistema político é o afastamento das pessoas da Política com P maiúsculo, pela qual cada um pode ser parte das decisões públicas por meio de suas opiniões, sua palavra, suas propostas, seu voto bem informado e consciente. Quando a representação gerada por esse voto não expressa integralmente o compromisso de se dedicar ao bem comum, a democracia sai trincada, e essa ameaça afeta a todos nós e nosso direito a viver melhor, com mais justiça, mais qualidade de vida, com horizontes mais prazeirosos. Então, é preciso reagir e chamar mais e mais pessoas para um grande debate nacional sobre o nosso futuro.

É essa a causa que nos move e nos faz reconhecer, em primeiro lugar, que o propósito de levá-la adiante por meio do PV, na forma como ele hoje se estrutura, não foi possível. E, em segundo lugar, que não podemos relativizá-la para compor com uma cultura política que combatemos e que se mostra impermeável ao novo e ao sentido profundo da democracia.

Manter a coerência e seguir em frente, é o sentido de nosso gesto, repito. Não se trata de uma saída pragmática, com olhos postos em calendários eleitorais. Ao contrário, é a negação do pragmatismo a qualquer preço.

É uma reafirmação de compromissos e princípios. É uma caminhada verdadeira e esperançosa em direção ao nosso foco principal: sensibilizar as brasileiras e os brasileiros que se dispõem a sair do papel de meros espectadores a que vêm sendo condenados pelo atual sistema político para ser uma força transformadora. Força capaz de fazer sua vontade junto a um sistema político superado na sua essência, mas ainda no comando das instituições, tornando-as reféns de privilégios, de interesses setoriais, de alianças e posturas atrasadas, incompatíveis com os desafios que temos para este século.

Hoje, as pessoas se mobilizam por causas muito diferenciadas, se manifestam pela internet, mas tem dificuldades de se integrar, de amalgamar suas diferentes preocupações num grande projeto de país, impulsionado pelo desejo de um salto civilizatório que só acontecerá se interrompermos a trajetória de degradação social e ambiental que é, infelizmente, uma das principais marcas de nossos tempos.

Junto-me a todos que se identificam com esse pensamento, para fazer chegar o momento da integração. De inventar outra cultura política para nosso futuro. Vamos discutir democracia, educação, desenvolvimento, sem as amarras das ambições de poder como um fim em si mesmo, que diminuem e pervertem os sonhos e as intenções.

Não se trata de negar as instituições de Estado e o sistema representativo. Sabemos de sua importância e de seu papel, mas não podemos fechar os olhos para seus desvios. Devemos exigir que saiam de suas velhas práticas e acordem para o presente. Para isso, a sociedade brasileira precisa recuperar a sua iniciativa no campo político, construir coletivamente sua vontade e fazê-la valer.

Nosso debate, hoje, não pode ser o das eleições de 2014. As eleições de 2010 tiveram o papel de fazer a luta socioambiental abrir suas janelas e portas para a sociedade. Fizeram com que milhões de pessoas escolhessem uma proposta diferente. Agora é hora de ir mais fundo. A hora da verdade. Para nós e para a sociedade. Vamos nos reencantar com o nosso potencial para mudar o que precisa ser mudado e preservar o que precisa ser preservado.

Na campanha de 2010 dissemos que deveríamos “ir além dos limites impostos pela falta de grandeza dos interesses e costumes de alguns políticos que se acomodaram à lógica do poder pelo poder, que se tornaram incapazes de assumir plenamente os desafios do presente”. Essa também continua sendo a nossa palavra. Não era vento, não era circunstância, era de fato nossa proposta de Política e de Vida e por ela continuaremos a nos guiar, não importam quais sejam as dificuldades, as maledicências, as armadilhas, as ofertas para deixar por menos.

Como alguém já disse, o ideal que move as pessoas para melhorar o mundo em que vivem, e onde no futuro outros irão viver, deve estar na popa e não na proa, a nos impulsionar para o futuro. Não é hora de ser pragmático, é hora de ser sonhático e de agir pelos nossos sonhos.

*Discurso de Marina Silva durante o Encontro Por Uma Nova Política. Evento realizado nesta quinta-feira, dia 7 de julho, no Espaço Crisantempo (rua Fidalga, 521, Vila Madalena, São Paulo)

Tags: brasil, coerência, luta, marina silva, política, sonhos

http://www.minhamarina.org.br/blog/2011/07/por-uma-nova-politica/

quinta-feira, julho 21, 2011

O GUARDADOR DE REBANHOS DE FERNANDO PESSOA

O Guardador de Rebanhos
Alberto Caeiro (heterônimo de Fernando Pessoa)
(Fonte: http://www.cfh.ufsc.br/~magno/guardador.htm)

I - Eu Nunca Guardei Rebanhos

Eu nunca guardei rebanhos, Mas é como se os guardasse. Minha alma é como um pastor, Conhece o vento e o sol
E anda pela mão das Estações A seguir e a olhar. Toda a paz da Natureza sem gente Vem sentar-se a meu lado.
Mas eu fico triste como um pôr de sol Para a nossa imaginação, Quando esfria no fundo da planície E se sente a noite entrada
Como uma borboleta pela janela.
Mas a minha tristeza é sossego Porque é natural e justa E é o que deve estar na alma Quando já pensa que existe
E as mãos colhem flores sem ela dar por isso.
Como um ruído de chocalhos Para além da curva da estrada, Os meus pensamentos são contentes. Só tenho pena de saber que eles são contentes, Porque, se o não soubesse, Em vez de serem contentes e tristes, Seriam alegres e contentes.
Pensar incomoda como andar à chuva Quando o vento cresce e parece que chove mais.
Não tenho ambições nem desejos Ser poeta não é uma ambição minha É a minha maneira de estar sozinho.
E se desejo às vezes Por imaginar, ser cordeirinho (Ou ser o rebanho todo Para andar espalhado por toda a encosta A ser muita cousa feliz ao mesmo tempo),
É só porque sinto o que escrevo ao pôr do sol, Ou quando uma nuvem passa a mão por cima da luz E corre um silêncio pela erva fora.
Quando me sento a escrever versos
Ou, passeando pelos caminhos ou pelos atalhos, Escrevo versos num papel que está no meu pensamento, Sinto um cajado nas mãos E vejo um recorte de mim No cimo dum outeiro, Olhando para o meu rebanho e vendo as minhas idéias, Ou olhando para as minhas idéias e vendo o meu rebanho, E sorrindo vagamente como quem não compreende o que se diz E quer fingir que compreende.
Saúdo todos os que me lerem, Tirando-lhes o chapéu largo Quando me vêem à minha porta Mal a diligência levanta no cimo do outeiro. Saúdo-os e desejo-lhes sol,
E chuva, quando a chuva é precisa, E que as suas casas tenham Ao pé duma janela aberta Uma cadeira predileta
Onde se sentem, lendo os meus versos. E ao lerem os meus versos pensem Que sou qualquer cousa natural — Por exemplo, a árvore antiga
À sombra da qual quando crianças Se sentavam com um baque, cansados de brincar, E limpavam o suor da testa quente Com a manga do bibe riscado.
II - O Meu Olhar
O meu olhar é nítido como um girassol. Tenho o costume de andar pelas estradas Olhando para a direita e para a esquerda, E de, vez em quando olhando para trás... E o que vejo a cada momento
É aquilo que nunca antes eu tinha visto, E eu sei dar por isso muito bem... Sei ter o pasmo essencial Que tem uma criança se, ao nascer, Reparasse que nascera deveras... Sinto-me nascido a cada momento Para a eterna novidade do Mundo...
Creio no mundo como num malmequer, Porque o vejo.Mas não penso nele Porque pensar é não compreender ...
O Mundo não se fez para pensarmos nele (Pensar é estar doente dos olhos) Mas para olharmos para ele e estarmos de acordo...
Eu não tenho filosofia: tenho sentidos... Se falo na Natureza não é porque saiba o que ela é,
Mas porque a amo, e amo-a por isso, Porque quem ama nunca sabe o que ama Nem sabe por que ama, nem o que é amar ... Amar é a eterna inocência, E a única inocência não pensar...
III - Ao Entardecer
Ao entardecer, debruçado pela janela, E sabendo de soslaio que há campos em frente, Leio até me arderem os olhos O livro de Cesário Verde.
Que pena que tenho dele! Ele era um camponês Que andava preso em liberdade pela cidade. Mas o modo como olhava para as casas, E o modo como reparava nas ruas,
E a maneira como dava pelas cousas, É o de quem olha para árvores, E de quem desce os olhos pela estrada por onde vai andando E anda a reparar nas flores que há pelos campos ...
Por isso ele tinha aquela grande tristeza Que ele nunca disse bem que tinha, Mas andava na cidade como quem anda no campo E triste como esmagar flores em livros E pôr plantas em jarros...
IV - Esta Tarde a Trovoada Caiu
Esta tarde a trovoada caiu Pelas encostas do céu abaixo Como um pedregulho enorme... Como alguém que duma janela alta Sacode uma toalha de mesa, E as migalhas, por caírem todas juntas, Fazem algum barulho ao cair, A chuva chovia do céu E enegreceu os caminhos ...
Quando os relâmpagos sacudiam o ar E abanavam o espaço Como uma grande cabeça que diz que não, Não sei porquê — eu não tinha medo — pus-me a rezar a Santa Bárbara
Como se eu fosse a velha tia de alguém...
Ah! é que rezando a Santa Bárbara Eu sentia-me ainda mais simples Do que julgo que sou... Sentia-me familiar e caseiro
E tendo passado a vida
Tranqüilamente, como o muro do quintal; Tendo idéias e sentimentos por os ter Como uma flor tem perfume e cor...
Sentia-me alguém que nossa acreditar em Santa Bárbara... Ah, poder crer em Santa Bárbara!
(Quem crê que há Santa Bárbara, Julgará que ela é gente e visível Ou que julgará dela?)
(Que artifício! Que sabem As flores, as árvores, os rebanhos, De Santa Bárbara?... Um ramo de árvore, Se pensasse, nunca podia Construir santos nem anjos... Poderia julgar que o sol É Deus, e que a trovoada É uma quantidade de gente Zangada por cima de nós ... Ali, como os mais simples dos homens São doentes e confusos e estúpidos Ao pé da clara simplicidade E saúde em existir Das árvores e das plantas!)
E eu, pensando em tudo isto, Fiquei outra vez menos feliz... Fiquei sombrio e adoecido e soturno Como um dia em que todo o dia a trovoada ameaça E nem sequer de noite chega.
V - Há Metafísica Bastante em Não Pensar em Nada
Há metafísica bastante em não pensar em nada. O que penso eu do mundo? Sei lá o que penso do mundo! Se eu adoecesse pensaria nisso.
Que idéia tenho eu das cousas? Que opinião tenho sobre as causas e os efeitos? Que tenho eu meditado sobre Deus e a alma E sobre a criação do Mundo?
Não sei.Para mim pensar nisso é fechar os olhos E não pensar. É correr as cortinas Da minha janela (mas ela não tem cortinas).
O mistério das cousas? Sei lá o que é mistério! O único mistério é haver quem pense no mistério. Quem está ao sol e fecha os olhos, Começa a não saber o que é o sol E a pensar muitas cousas cheias de calor.
Mas abre os olhos e vê o sol, E já não pode pensar em nada, Porque a luz do sol vale mais que os pensamentos De todos os filósofos e de todos os poetas. A luz do sol não sabe o que faz E por isso não erra e é comum e boa.
Metafísica? Que metafísica têm aquelas árvores? A de serem verdes e copadas e de terem ramos E a de dar fruto na sua hora, o que não nos faz pensar, A nós, que não sabemos dar por elas. Mas que melhor metafísica que a delas, Que é a de não saber para que vivem Nem saber que o não sabem?
"Constituição íntima das cousas"... "Sentido íntimo do Universo"... Tudo isto é falso, tudo isto não quer dizer nada. É incrível que se possa pensar em cousas dessas. É como pensar em razões e fins Quando o começo da manhã está raiando, e pelos lados das árvores Um vago ouro lustroso vai perdendo a escuridão.
Pensar no sentido íntimo das cousas É acrescentado, como pensar na saúde Ou levar um copo à água das fontes.
O único sentido íntimo das cousas É elas não terem sentido íntimo nenhum. Não acredito em Deus porque nunca o vi. Se ele quisesse que eu acreditasse nele, Sem dúvida que viria falar comigo E entraria pela minha porta dentro Dizendo-me, Aqui estou!
(Isto é talvez ridículo aos ouvidos De quem, por não saber o que é olhar para as cousas, Não compreende quem fala delas Com o modo de falar que reparar para elas ensina.)
Mas se Deus é as flores e as árvores E os montes e sol e o luar, Então acredito nele, Então acredito nele a toda a hora,
E a minha vida é toda uma oração e uma missa, E uma comunhão com os olhos e pelos ouvidos.
Mas se Deus é as árvores e as flores E os montes e o luar e o sol, Para que lhe chamo eu Deus? Chamo-lhe flores e árvores e montes e sol e luar; Porque, se ele se fez, para eu o ver,
Sol e luar e flores e árvores e montes, Se ele me aparece como sendo árvores e montes
E luar e sol e flores, É que ele quer que eu o conheça Como árvores e montes e flores e luar e sol.
E por isso eu obedeço-lhe, (Que mais sei eu de Deus que Deus de si próprio?). Obedeço-lhe a viver, espontaneamente, Como quem abre os olhos e vê, E chamo-lhe luar e sol e flores e árvores e montes, E amo-o sem pensar nele, E penso-o vendo e ouvindo, E ando com ele a toda a hora.
VI - Pensar em Deus
Pensar em Deus é desobedecer a Deus, Porque Deus quis que o não conhecêssemos, Por isso se nos não mostrou...
Sejamos simples e calmos, Como os regatos e as árvores, E Deus amar-nos-á fazendo de nós Belos como as árvores e os regatos, E dar-nos-á verdor na sua primavera, E um rio aonde ir ter quando acabemos! ...
VII - Da Minha Aldeia
Da minha aldeia veio quanto da terra se pode ver no Universo... Por isso a minha aldeia é tão grande como outra terra qualquer Porque eu sou do tamanho do que vejo E não, do tamanho da minha altura...
Nas cidades a vida é mais pequena Que aqui na minha casa no cimo deste outeiro. Na cidade as grandes casas fecham a vista à chave, Escondem o horizonte, empurram o nosso olhar para longe de todo o céu, Tornam-nos pequenos porque nos tiram o que os nossos olhos nos podem dar, E tornam-nos pobres porque a nossa única riqueza é ver.
VIII - Num Meio-Dia de Fim de Primavera
Num meio-dia de fim de primavera Tive um sonho como uma fotografia. Vi Jesus Cristo descer à terra. Veio pela encosta de um monte Tornado outra vez menino,
A correr e a rolar-se pela erva E a arrancar flores para as deitar fora
E a rir de modo a ouvir-se de longe.
Tinha fugido do céu. Era nosso demais para fingir De segunda pessoa da Trindade. No céu era tudo falso, tudo em desacordo Com flores e árvores e pedras. No céu tinha que estar sempre sério E de vez em quando de se tornar outra vez homem E subir para a cruz, e estar sempre a morrer Com uma coroa toda à roda de espinhos E os pés espetados por um prego com cabeça, E até com um trapo à roda da cintura Como os pretos nas ilustrações. Nem sequer o deixavam ter pai e mãe Como as outras crianças. O seu pai era duas pessoas Um velho chamado José, que era carpinteiro, E que não era pai dele; E o outro pai era uma pomba estúpida, A única pomba feia do mundo Porque não era do mundo nem era pomba. E a sua mãe não tinha amado antes de o ter.
Não era mulher: era uma mala Em que ele tinha vindo do céu. E queriam que ele, que só nascera da mãe, E nunca tivera pai para amar com respeito, Pregasse a bondade e a justiça!
Um dia que Deus estava a dormir E o Espírito Santo andava a voar, Ele foi à caixa dos milagres e roubou três. Com o primeiro fez que ninguém soubesse que ele tinha fugido. Com o segundo criou-se eternamente humano e menino. Com o terceiro criou um Cristo eternamente na cruz E deixou-o pregado na cruz que há no céu E serve de modelo às outras. Depois fugiu para o sol E desceu pelo primeiro raio que apanhou.
Hoje vive na minha aldeia comigo. É uma criança bonita de riso e natural. Limpa o nariz ao braço direito, Chapinha nas poças de água, Colhe as flores e gosta delas e esquece-as. Atira pedras aos burros, Rouba a fruta dos pomares E foge a chorar e a gritar dos cães. E, porque sabe que elas não gostam E que toda a gente acha graça, Corre atrás das raparigas pelas estradas Que vão em ranchos pela estradas com as bilhas às cabeças
E levanta-lhes as saias.
A mim ensinou-me tudo. Ensinou-me a olhar para as cousas. Aponta-me todas as cousas que há nas flores. Mostra-me como as pedras são engraçadas Quando a gente as tem na mão E olha devagar para elas.
Diz-me muito mal de Deus. Diz que ele é um velho estúpido e doente, Sempre a escarrar no chão E a dizer indecências. A Virgem Maria leva as tardes da eternidade a fazer meia. E o Espírito Santo coça-se com o bico E empoleira-se nas cadeiras e suja-as. Tudo no céu é estúpido como a Igreja Católica. Diz-me que Deus não percebe nada Das coisas que criou — "Se é que ele as criou, do que duvido" — "Ele diz, por exemplo, que os seres cantam a sua glória, Mas os seres não cantam nada. Se cantassem seriam cantores. Os seres existem e mais nada, E por isso se chamam seres." E depois, cansados de dizer mal de Deus, O Menino Jesus adormece nos meus braços E eu levo-o ao colo para casa. ............................................................................. Ele mora comigo na minha casa a meio do outeiro. Ele é a Eterna Criança, o deus que faltava. Ele é o humano que é natural, Ele é o divino que sorri e que brinca. E por isso é que eu sei com toda a certeza Que ele é o Menino Jesus verdadeiro.
E a criança tão humana que é divina É esta minha quotidiana vida de poeta, E é porque ele anda sempre comigo que eu sou poeta sempre, E que o meu mínimo olhar Me enche de sensação, E o mais pequeno som, seja do que for, Parece falar comigo.
A Criança Nova que habita onde vivo Dá-me uma mão a mim E a outra a tudo que existe E assim vamos os três pelo caminho que houver, Saltando e cantando e rindo
E gozando o nosso segredo comum Que é o de saber por toda a parte Que não há mistério no mundo E que tudo vale a pena.
A Criança Eterna acompanha-me sempre. A direção do meu olhar é o seu dedo apontando. O meu ouvido atento alegremente a todos os sons São as cócegas que ele me faz, brincando, nas orelhas.
Damo-nos tão bem um com o outro Na companhia de tudo Que nunca pensamos um no outro, Mas vivemos juntos e dois
Com um acordo íntimo Como a mão direita e a esquerda.
Ao anoitecer brincamos as cinco pedrinhas No degrau da porta de casa, Graves como convém a um deus e a um poeta, E como se cada pedra
Fosse todo um universo E fosse por isso um grande perigo para ela Deixá-la cair no chão.
Depois eu conto-lhe histórias das cousas só dos homens E ele sorri, porque tudo é incrível. Ri dos reis e dos que não são reis, E tem pena de ouvir falar das guerras,
E dos comércios, e dos navios Que ficam fumo no ar dos altos-mares. Porque ele sabe que tudo isso falta àquela verdade Que uma flor tem ao florescer E que anda com a luz do sol A variar os montes e os vales, E a fazer doer nos olhos os muros caiados.
Depois ele adormece e eu deito-o. Levo-o ao colo para dentro de casa E deito-o, despindo-o lentamente E como seguindo um ritual muito limpo E todo materno até ele estar nu.
Ele dorme dentro da minha alma E às vezes acorda de noite E brinca com os meus sonhos. Vira uns de pernas para o ar, Põe uns em cima dos outros
E bate as palmas sozinho Sorrindo para o meu sono. ...................................................................... Quando eu morrer, filhinho, Seja eu a criança, o mais pequeno. Pega-me tu ao colo E leva-me para dentro da tua casa. Despe o meu ser cansado e humano E deita-me na tua cama. E conta-me histórias, caso eu acorde, Para eu tornar a adormecer.
E dá-me sonhos teus para eu brincar Até que nasça qualquer dia Que tu sabes qual é. ..................................................................... Esta é a história do meu Menino Jesus. Por que razão que se perceba
Não há de ser ela mais verdadeira Que tudo quanto os filósofos pensam E tudo quanto as religiões ensinam?
IX - Sou um Guardador de Rebanhos
Sou um guardador de rebanhos. O rebanho é os meus pensamentos E os meus pensamentos são todos sensações. Penso com os olhos e com os ouvidos E com as mãos e os pés E com o nariz e a boca.
Pensar uma flor é vê-la e cheirá-la E comer um fruto é saber-lhe o sentido.
Por isso quando num dia de calor Me sinto triste de gozá-lo tanto. E me deito ao comprido na erva, E fecho os olhos quentes,
Sinto todo o meu corpo deitado na realidade, Sei a verdade e sou feliz.
X - Olá, Guardador de Rebanhos
"Olá, guardador de rebanhos, Aí à beira da estrada, Que te diz o vento que passa?"
"Que é vento, e que passa, E que já passou antes, E que passará depois. E a ti o que te diz?"
"Muita cousa mais do que isso. Fala-me de muitas outras cousas. De memórias e de saudades E de cousas que nunca foram."
"Nunca ouviste passar o vento. O vento só fala do vento. O que lhe ouviste foi mentira, E a mentira está em ti."
XI - Aquela Senhora tem um Piano
Aquela senhora tem um piano Que é agradável mas não é o correr dos rios Nem o murmúrio que as árvores fazem ...
Para que é preciso ter um piano? O melhor é ter ouvidos E amar a Natureza.
XII - Os Pastores de Virgílio
Os pastores de Virgílio tocavam avenas e outras cousas E cantavam de amor literariamente. (Depois — eu nunca li Virgílio. Para que o havia eu de ler?)
Mas os pastores de Virgílio, coitados, são Virgílio, E a Natureza é bela e antiga.
XIII - Leve
Leve, leve, muito leve, Um vento muito leve passa, E vai-se, sempre muito leve. E eu não sei o que penso Nem procuro sabê-lo.
XIV - Não me Importo com as Rimas
Não me importo com as rimas.Raras vezes Há duas árvores iguais, uma ao lado da outra. Penso e escrevo como as flores têm cor Mas com menos perfeição no meu modo de exprimir-me Porque me falta a simplicidade divina De ser todo só o meu exterior
Olho e comovo-me, Comovo-me como a água corre quando o chão é inclinado, E a minha poesia é natural corno o levantar-se vento...
XV - As Quatro Canções
As quatro canções que seguem Separam-se de tudo o que eu penso, Mentem a tudo o que eu sinto, São do contrário do que eu sou ...
Escrevi-as estando doente E por isso elas são naturais
E concordam com aquilo que sinto, Concordam com aquilo com que não concordam ... Estando doente devo pensar o contrário Do que penso quando estou são. (Senão não estaria doente), Devo sentir o contrário do que sinto Quando sou eu na saúde, Devo mentir à minha natureza De criatura que sente de certa maneira ... Devo ser todo doente — idéias e tudo. Quando estou doente, não estou doente para outra cousa.
Por isso essas canções que me renegam Não são capazes de me renegar E são a paisagem da minha alma de noite, A mesma ao contrário ...
XVI - Quem me Dera
Quem me dera que a minha vida fosse um carro de bois Que vem a chiar, manhãzinha cedo, pela estrada, E que para de onde veio volta depois Quase à noitinha pela mesma estrada.
Eu não tinha que ter esperanças — tinha só que ter rodas ... A minha velhice não tinha rugas nem cabelo branco... Quando eu já não servia, tiravam-me as rodas E eu ficava virado e partido no fundo de um barranco.
XVII - No meu Prato
No meu prato que mistura de Natureza! As minhas irmãs as plantas, As companheiras das fontes, as santas A quem ninguém reza...
E cortam-as e vêm à nossa mesa E nos hotéis os hóspedes ruidosos, Que chegam com correias tendo mantas Pedem "Salada", descuidosos..., Sem pensar que exigem à Terra-Mãe A sua frescura e os seus filhos primeiros, As primeiras verdes palavras que ela tem, As primeiras cousas vivas e irisantes Que Noé viu Quando as águas desceram e o cimo dos montes Verde e alagado surgiu E no ar por onde a pomba apareceu O arco-íris se esbateu...
XVIII - Quem me Dera que eu Fosse o Pó da Estrada
Quem me dera que eu fosse o pó da estrada E que os pés dos pobres me estivessem pisando...
Quem me dera que eu fosse os rios que correm E que as lavadeiras estivessem à minha beira...
Quem me dera que eu fosse os choupos à margem do rio E tivesse só o céu por cima e a água por baixo. . .
Quem me dera que eu fosse o burro do moleiro E que ele me batesse e me estimasse...
Antes isso que ser o que atravessa a vida Olhando para trás de si e tendo pena ...
XIX - O Luar
O luar quando bate na relva Não sei que cousa me lembra... Lembra-me a voz da criada velha Contando-me contos de fadas. E de como Nossa Senhora vestida de mendiga Andava à noite nas estradas Socorrendo as crianças maltratadas ...
Se eu já não posso crer que isso é verdade, Para que bate o luar na relva?
XX - O Tejo é mais Belo
O Tejo é mais belo que o rio que corre pela minha aldeia, Mas o Tejo não é mais belo que o rio que corre pela minha aldeia Porque o Tejo não é o rio que corre pela minha aldeia.
O Tejo tem grandes navios E navega nele ainda, Para aqueles que vêem em tudo o que lá não está, A memória das naus.
O Tejo desce de Espanha E o Tejo entra no mar em Portugal. Toda a gente sabe isso. Mas poucos sabem qual é o rio da minha aldeia E para onde ele vai E donde ele vem. E por isso porque pertence a menos gente, É mais livre e maior o rio da minha aldeia.
Pelo Tejo vai-se para o Mundo. Para além do Tejo há a América E a fortuna daqueles que a encontram.
Ninguém nunca pensou no que há para além Do rio da minha aldeia.
O rio da minha aldeia não faz pensar em nada. Quem está ao pé dele está só ao pé dele.
XXI - Se Eu Pudesse
Se eu pudesse trincar a terra toda E sentir-lhe uma paladar, Seria mais feliz um momento ... Mas eu nem sempre quero ser feliz. É preciso ser de vez em quando infeliz Para se poder ser natural...
Nem tudo é dias de sol, E a chuva, quando falta muito, pede-se. Por isso tomo a infelicidade com a felicidade Naturalmente, como quem não estranha Que haja montanhas e planícies E que haja rochedos e erva ...
O que é preciso é ser-se natural e calmo Na felicidade ou na infelicidade, Sentir como quem olha, Pensar como quem anda,
E quando se vai morrer, lembrar-se de que o dia morre, E que o poente é belo e é bela a noite que fica... Assim é e assim seja ...
XXII - Num Dia de Verão
Como quem num dia de Verão abre a porta de casa E espreita para o calor dos campos com a cara toda, Às vezes, de repente, bate-me a Natureza de chapa Na cara dos meus sentidos,
E eu fico confuso, perturbado, querendo perceber Não sei bem como nem o quê...
Mas quem me mandou a mim querer perceber? Quem me disse que havia que perceber?
Quando o Verão me passa pela cara A mão leve e quente da sua brisa, Só tenho que sentir agrado porque é brisa Ou que sentir desagrado porque é quente, E de qualquer maneira que eu o sinta, Assim, porque assim o sinto, é que é meu dever senti-lo...
XXIII - O meu Olhar
O meu olhar azul como o céu É calmo como a água ao sol. É assim, azul e calmo, Porque não interroga nem se espanta ...
Se eu interrogasse e me espantasse Não nasciam flores novas nos prados Nem mudaria qualquer cousa no sol de modo a ele ficar mais belo... (Mesmo se nascessem flores novas no prado E se o sol mudasse para mais belo, Eu sentiria menos flores no prado E achava mais feio o sol ... Porque tudo é como é e assim é que é, E eu aceito, e nem agradeço, Para não parecer que penso nisso...)
XXIV - O que Nós Vemos
O que nós vemos das cousas são as cousas. Por que veríamos nós uma cousa se houvesse outra? Por que é que ver e ouvir seria iludirmo-nos Se ver e ouvir são ver e ouvir?
O essencial é saber ver, Saber ver sem estar a pensar, Saber ver quando se vê, E nem pensar quando se vê Nem ver quando se pensa.
Mas isso (tristes de nós que trazemos a alma vestida!), Isso exige um estudo profundo, Uma aprendizagem de desaprender E uma seqüestração na liberdade daquele convento De que os poetas dizem que as estrelas são as freiras eternas E as flores as penitentes convictas de um só dia,
Mas onde afinal as estrelas não são senão estrelas Nem as flores senão flores. Sendo por isso que lhes chamamos estrelas e flores.
XXV - As Bolas de Sabão
As bolas de sabão que esta criança Se entretém a largar de uma palhinha São translucidamente uma filosofia toda. Claras, inúteis e passageiras como a Natureza, Amigas dos olhos como as cousas, São aquilo que são Com uma precisão redondinha e aérea, E ninguém, nem mesmo a criança que as deixa, Pretende que elas são mais do que parecem ser.
Algumas mal se vêem no ar lúcido.
São como a brisa que passa e mal toca nas flores E que só sabemos que passa Porque qualquer cousa se aligeira em nós E aceita tudo mais nitidamente.
XXVI - Às Vezes
Às vezes, em dias deluz perfeita e exata, Em que as cousas têm toda a realidade que podem ter, Pergunto a mim próprio devagar Por que sequer atribuo eu Beleza às cousas.
Uma flor acaso tem beleza? Tem beleza acaso um fruto? Não: têm cor e forma E existência apenas.
A beleza é o nome de qualquer cousa que não existe Que eu dou às cousas em troca do agrado que me dão. Não significa nada. Então por que digo eu das cousas: são belas?
Sim, mesmo a mim, que vivo só de viver, Invisíveis, vêm ter comigo as mentiras dos homens Perante as cousas, Perante as cousas que simplesmente existem.
Que difícil ser próprio e não ver senão o visível!
XXVII - Só a Natureza é Divina
Só a natureza é divina, e ela não é divina...
Se falo dela como de um ente É que para falar dela preciso usar da linguagem dos homens Que dá personalidade às cousas, E impõe nome às cousas.
Mas as cousas não têm nome nem personalidade: Existem, e o céu é grande a terra larga, E o nosso coração do tamanho de um punho fechado...
Bendito seja eu por tudo quanto sei. Gozo tudo isso como quem sabe que há o sol.
XXVIII - Li Hoje
Li hoje quase duas páginas Do livro dum poeta místico, E ri como quem tem chorado muito.
Os poetas místicos são filósofos doentes, E os filósofos são homens doidos.
Porque os poetas místicos dizem que as flores sentem E dizem que as pedras têm alma E que os rios têm êxtases ao luar.
Mas flores, se sentissem, não eram flores, Eram gente; E se as pedras tivessem alma, eram cousas vivas, não eram pedras; E se os rios tivessem êxtases ao luar, Os rios seriam homens doentes.
É preciso não saber o que são flores e pedras e rios Para falar dos sentimentos deles. Falar da alma das pedras, das flores, dos rios, É falar de si próprio e dos seus falsos pensamentos. Graças a Deus que as pedras são só pedras,
E que os rios não são senão rios, E que as flores são apenas flores.
Por mim, escrevo a prosa dos meus versos E fico contente, Porque sei que compreendo a Natureza por fora; E não a compreendo por dentro
Porque a Natureza não tem dentro; Senão não era a Natureza.
XXIX - Nem Sempre Sou Igual
Nem sempre sou igual no que digo e escrevo. Mudo, mas não mudo muito. A cor das flores não é a mesma ao sol De que quando uma nuvem passa
Ou quando entra a noite E as flores são cor da sombra.
Mas quem olha bem vê que são as mesmas flores. Por isso quando pareço não concordar comigo,
Reparem bem para mim: Se estava virado para a direita, Voltei-me agora para a esquerda, Mas sou sempre eu, assente sobre os mesmos pés — O mesmo sempre, graças ao céu e à terra E aos meus olhos e ouvidos atentos E à minha clara simplicidade de alma ...
XXX - Se Quiserem que Eu Tenha um Misticismo
Se quiserem que eu tenha um misticismo, está bem, tenho-o. Sou místico, mas só com o corpo.
A minha alma é simples e não pensa.
O meu misticismo é não querer saber. É viver e não pensar nisso.
Não sei o que é a Natureza: canto-a. Vivo no cimo dum outeiro Numa casa caiada e sozinha, E essa é a minha definição.
XXXI - Se às Vezes Digo que as Flores Sorriem
Se às vezes digo que as flores sorriem E se eu disser que os rios cantam, Não é porque eu julgue que há sorrisos nas flores E cantos no correr dos rios... É porque assim faço mais sentir aos homens falsos A existência verdadeiramente real das flores e dos rios.
Porque escrevo para eles me lerem sacrifico-me às vezes À sua estupidez de sentidos... Não concordo comigo mas absolvo-me, Porque só sou essa cousa séria, um intérprete da Natureza, Porque há homens que não percebem a sua linguagem, Por ela não ser linguagem nenhuma.
XXXII - Ontem à Tarde
Ontem à tarde um homem das cidades Falava à porta da estalagem. Falava comigo também. Falava da justiça e da luta para haver justiça E dos operários que sofrem,
E do trabalho constante, e dos que têm fome, E dos ricos, que só têm costas para isso.
E, olhando para mim, viu-me lágrimas nos olhos E sorriu com agrado, julgando que eu sentia O ódio que ele sentia, e a compaixão Que ele dizia que sentia.
(Mas eu mal o estava ouvindo. Que me importam a mim os homens E o que sofrem ou supõem que sofrem? Sejam como eu — não sofrerão. Todo o mal do mundo vem de nos importarmos uns com os outros, Quer para fazer bem, quer para fazer mal. A nossa alma e o céu e a terra bastam-nos. Querer mais é perder isto, e ser infeliz.)
Eu no que estava pensando Quando o amigo de gente falava
(E isso me comoveu até às lágrimas), Era em como o murmúrio longínquo dos chocalhos A esse entardecer Não parecia os sinos duma capela pequenina A que fossem à missa as flores e os regatos E as almas simples como a minha.
(Louvado seja Deus que não sou bom, E tenho o egoísmo natural das flores E dos rios que seguem o seu caminho Preocupados sem o saber
Só com florir e ir correndo. É essa a única missão no Mundo, Essa — existir claramente, E saber faze-lo sem pensar nisso.
E o homem calara-se, olhando o poente. Mas que tem com o poente quem odeia e ama?
XXXIII - Pobres das Flores
Pobres das flores dos canteiros dos jardins regulares. Parecem ter medo da polícia... Mas tão boas que florescem do mesmo modo E têm o mesmo sorriso antigo
Que tiveram para o primeiro olhar do primeiro homem Que as viu aparecidas e lhes tocou levemente Para ver se elas falavam...
XXXIV - Acho tão Natural que não se Pense
Acho tão natural que não se pense Que me ponho a rir às vezes, sozinho, Não sei bem de quê, mas é de qualquer cousa Que tem que ver com haver gente que pensa ...
Que pensará o meu muro da minha sombra? Pergunto-me às vezes isto até dar por mim A perguntar-me cousas. . . E então desagrado-me, e incomodo-me Como se desse por mim com um pé dormente. . .
Que pensará isto de aquilo? Nada pensa nada. Terá a terra consciência das pedras e plantas que tem? Se ela a tiver, que a tenha... Que me importa isso a mim? Se eu pensasse nessas cousas, Deixaria de ver as árvores e as plantas E deixava de ver a Terra, Para ver só os meus pensamentos ... Entristecia e ficava às escuras.
E assim, sem pensar tenho a Terra e o Céu.
XXXV - O Luar
O luar através dos altos ramos, Dizem os poetas todos que ele é mais Que o luar através dos altos ramos.
Mas para mim, que não sei o que penso, O que o luar através dos altos ramos É, além de ser O luar através dos altos ramos,
É não ser mais Que o luar através dos altos ramos.
XXXVI - Há Poetas que são Artistas
E há poetas que são artistas E trabalham nos seus versos Como um carpinteiro nas tábuas! ...
Que triste não saber florir! Ter que pôr verso sobre verso, corno quem constrói um muro E ver se está bem, e tirar se não está! ... Quando a única casa artística é a Terra toda Que varia e está sempre bem e é sempre a mesma.
Penso nisto, não como quem pensa, mas como quem respira, E olho para as flores e sorrio... Não sei se elas me compreendem Nem sei eu as compreendo a elas,
Mas sei que a verdade está nelas e em mim E na nossa comum divindade De nos deixarmos ir e viver pela Terra E levar ao solo pelas Estações contentes
E deixar que o vento cante para adormecermos E não termos sonhos no nosso sono.
XXXVII - Como um Grande Borrão
Como um grande borrão de fogo sujo O sol posto demora-se nas nuvens que ficam. Vem um silvo vago de longe na tarde muito calma. Deve ser dum comboio longínquo.
Neste momento vem-me uma vaga saudade E um vago desejo plácido Que aparece e desaparece.
Também às vezes, à flor dos ribeiros, Formam-se bolhas na água
Que nascem e se desmancham E não têm sentido nenhum Salvo serem bolhas de água Que nascem e se desmancham.
XXXVIII - Bendito seja o Mesmo Sol
Bendito seja o mesmo sol de outras terras Que faz meus irmãos todos os homens Porque todos os homens, um momento no dia, o olham como eu, E, nesse puro momento Todo limpo e sensível Regressam lacrimosamente E com um suspiro que mal sentem Ao homem verdadeiro e primitivo Que via o Sol nascer e ainda o não adorava. Porque isso é natural — mais natural Que adorar o ouro e Deus E a arte e a moral ...
XXXIX - O Mistério das Cousas
O mistério das cousas, onde está ele? Onde está ele que não aparece Pelo menos a mostrar-nos que é mistério? Que sabe o rio disso e que sabe a árvore? E eu, que não sou mais do que eles, que sei disso? Sempre que olho para as cousas e penso no que os homens pensam delas, Rio como um regato que soa fresco numa pedra.
Porque o único sentido oculto das cousas É elas não terem sentido oculto nenhum, É mais estranho do que todas as estranhezas E do que os sonhos de todos os poetas E os pensamentos de todos os filósofos, Que as cousas sejam realmente o que parecem ser E não haja nada que compreender.
Sim, eis o que os meus sentidos aprenderam sozinhos: — As cousas não têm significação: têm existência. As cousas são o único sentido oculto das cousas.
XL - Passa uma Borboleta
Passa uma borboleta por diante de mim E pela primeira vez no Universo eu reparo Que as borboletas não têm cor nem movimento, Assim como as flores não têm perfume nem cor. A cor é que tem cor nas asas da borboleta, No movimento da borboleta o movimento é que se move, O perfume é que tem perfume no perfume da flor.
A borboleta é apenas borboleta E a flor é apenas flor.
XLI - No Entardecer
No entardecer dos dias de Verão, às vezes, Ainda que não haja brisa nenhuma, parece Que passa, um momento, uma leve brisa... Mas as árvores permanecem imóveis
Em todas as folhas das suas folhas E os nossos sentidos tiveram uma ilusão, Tiveram a ilusão do que lhes agradaria...
Ah, os sentidos, os doentes que vêem e ouvem! Fôssemos nós como devíamos ser E não haveria em nós necessidade de ilusão ... Bastar-nos-ia sentir com clareza e vida
E nem repararmos para que há sentidos ...
Mas graças a Deus que há imperfeição no Mundo Porque a imperfeição é uma cousa, E haver gente que erra é original, E haver gente doente torna o Mundo engraçado. Se não houvesse imperfeição, havia uma cousa a menos, E deve haver muita cousa
Para termos muito que ver e ouvir. . .
XLII - Passou a Diligência
Passou a diligência pela estrada, e foi-se; E a estrada não ficou mais bela, nem sequer mais feia. Assim é a ação humana pelo mundo fora. Nada tiramos e nada pomos; passamos e esquecemos; E o sol é sempre pontual todos os dias.
XLIII - Antes o Vôo da Ave
Antes o vôo da ave, que passa e não deixa rasto, Que a passagem do animal, que fica lembrada no chão. A ave passa e esquece, e assim deve ser. O animal, onde já não está e por isso de nada serve, Mostra que já esteve, o que não serve para nada. A recordação é uma traição à Natureza, Porque a Natureza de ontem não é Natureza. O que foi não é nada, e lembrar é não ver.
Passa, ave, passa, e ensina-me a passar!
XLIV - Acordo de Noite
Acordo de noite subitamente, E o meu relógio ocupa a noite toda. Não sinto a Natureza lá fora. O meu quarto é uma cousa escura com paredes vagamente brancas. Lá fora há um sossego como se nada existisse. Só o relógio prossegue o seu ruído. E esta pequena cousa de engrenagens que está em cima da minha mesa Abafa toda a existência da terra e do céu... Quase que me perco a pensar o que isto significa, Mas estaco, e sinto-me sorrir na noite com os cantos da boca, Porque a única cousa que o meu relógio simboliza ou significa Enchendo com a sua pequenez a noite enorme É a curiosa sensação de encher a noite enorme Com a sua pequenez...
XLV - Um Renque de Árvores
Um renque de árvores lá longe, lá para a encosta. Mas o que é um renque de árvores? Há árvores apenas. Renque e o plural árvores não são cousas, são nomes.
Tristes das almas humanas, que põem tudo em ordem, Que traçam linhas de cousa a cousa, Que põem letreiros com nomes nas árvores absolutamente reais, E desenham paralelos de latitude e longitude Sobre a própria terra inocente e mais verde e florida do que isso!
XLVI - Deste Modo ou Daquele Modo
Deste modo ou daquele modo. Conforme calha ou não calha. Podendo às vezes dizer o que penso, E outras vezes dizendo-o mal e com misturas, Vou escrevendo os meus versos sem querer, Como se escrever não fosse uma cousa feita de gestos, Como se escrever fosse uma cousa que me acontecesse Como dar-me o sol de fora.
Procuro dizer o que sinto Sem pensar em que o sinto. Procuro encostar as palavras à idéia E não precisar dum corredor Do pensamento para as palavras
Nem sempre consigo sentir o que sei que devo sentir. O meu pensamento só muito devagar atravessa o rio a nado Porque lhe pesa o fato que os homens o fizeram usar.
Procuro despir-me do que aprendi, Procuro esquecer-me do modo de lembrar que me ensinaram, E raspar a tinta com que me pintaram os sentidos, Desencaixotar as minhas emoções verdadeiras,
Desembrulhar-me e ser eu, não Alberto Caeiro, Mas um animal humano que a Natureza produziu.
E assim escrevo, querendo sentir a Natureza, nem sequer como um homem, Mas como quem sente a Natureza, e mais nada. E assim escrevo, ora bem ora mal, Ora acertando com o que quero dizer ora errando,
Caindo aqui, levantando-me acolá, Mas indo sempre no meu caminho como um cego teimoso.
Ainda assim, sou alguém. Sou o Descobridor da Natureza. Sou o Argonauta das sensações verdadeiras. Trago ao Universo um novo Universo Porque trago ao Universo ele-próprio.
Isto sinto e isto escrevo Perfeitamente sabedor e sem que não veja Que são cinco horas do amanhecer E que o sol, que ainda não mostrou a cabeça Por cima do muro do horizonte, Ainda assim já se lhe vêem as pontas dos dedos Agarrando o cimo do muro Do horizonte cheio de montes baixos.
XLVII - Num Dia Excessivamente Nítido
Num dia excessivamente nítido, Dia em que dava a vontade de ter trabalhado muito Para nele não trabalhar nada, Entrevi, como uma estrada por entre as árvores, O que talvez seja o Grande Segredo, Aquele Grande Mistério de que os poetas falsos falam.
Vi que não há Natureza, Que Natureza não existe, Que há montes, vales, planícies, Que há árvores, flores, ervas, Que há rios e pedras, Mas que não há um todo a que isso pertença, Que um conjunto real e verdadeiro É uma doença das nossas idéias.
A Natureza é partes sem um todo. Isto é talvez o tal mistério de que falam.
Foi isto o que sem pensar nem parar, Acertei que devia ser a verdade Que todos andam a achar e que não acham, E que só eu, porque a não fui achar, achei.
XLVIII - Da Mais Alta Janela da Minha Casa
Da mais alta janela da minha casa Com um lenço branco digo adeus Aos meus versos que partem para a Humanidade.
E não estou alegre nem triste. Esse é o destino dos versos. Escrevi-os e devo mostrá-los a todos Porque não posso fazer o contrário Como a flor não pode esconder a cor, Nem o rio esconder que corre, Nem a árvore esconder que dá fruto.
Ei-los que vão já longe como que na diligência E eu sem querer sinto pena Como uma dor no corpo.
Quem sabe quem os terá? Quem sabe a que mãos irão?
Flor, colheu-me o meu destino para os olhos. Árvore, arrancaram-me os frutos para as bocas. Rio, o destino da minha água era não ficar em mim. Submeto-me e sinto-me quase alegre, Quase alegre como quem se cansa de estar triste.
Ide, ide de mim! Passa a árvore e fica dispersa pela Natureza. Murcha a flor e o seu pó dura sempre. Corre o rio e entra no mar e a sua água é sempre a que foi sua.
Passo e fico, como o Universo.
XLIX - Meto-me para Dentro
Meto-me para dentro, e fecho a janela. Trazem o candeeiro e dão as boas noites, E a minha voz contente dá as boas noites. Oxalá a minha vida seja sempre isto: O dia cheio de sol, ou suave de chuva, Ou tempestuoso como se acabasse o Mundo,
A tarde suave e os ranchos que passam Fitados com interesse da janela, O último olhar amigo dado ao sossego das árvores, E depois, fechada a janela, o candeeiro aceso, Sem ler nada, nem pensar em nada, nem dormir, Sentir a vida correr por mim como um rio por seu leito. E lá fora um grande silêncio como um deus que dorme.

segunda-feira, julho 18, 2011

Borges por él mismo - Fundación mítica de Buenos Aires





Fundación mítica de Buenos Aires


Jorge Luis Borges




¿Y fue por este río de sueñera y de barro
que las proas vinieron a fundarme la patria?
Irían a los tumbos los barquitos pintados
entre los camalotes de la corriente zaina.

Pensando bien la cosa, supondremos que el río
era azulejo entonces como oriundo del cielo
con su estrellita roja para marcar el sitio
en que ayunó Juan Díaz y los indios comieron.

Lo cierto es que mil hombres y otros mil arribaron
por un mar que tenía cinco lunas de anchura
y aún estaba poblado de sirenas y endriagos
y de piedras imanes que enloquecen la brújula.

Prendieron unos ranchos trémulos en la costa,
durmieron extrañados. Dicen que en el Riachuelo,
pero son embelecos fraguados en la Boca.
Fue una manzana entera y en mi barrio: en Palermo.

Una manzana entera pero en mitá del campo
expuesta a las auroras y lluvias y suestadas.
La manzana pareja que persiste en mi barrio:
Guatemala, Serrano, Paraguay y Gurruchaga.

Un almacén rosado como revés de naipe
brilló y en la trastienda conversaron un truco;
el almacén rosado floreció en un compadre,
ya patrón de la esquina, ya resentido y duro.

El primer organito salvaba el horizonte
con su achacoso porte, su habanera y su gringo.
El corralón seguro ya opinaba YRIGOYEN,
algún piano mandaba tangos de Saborido.

Una cigarrería sahumó como una rosa
el desierto. La tarde se había ahondado en ayeres,
los hombres compartieron un pasado ilusorio.
Sólo faltó una cosa: la vereda de enfrente.

A mí se me hace cuento que empezó Buenos Aires:
La juzgo tan eterna como el agua y como el aire.



* * *

domingo, julho 17, 2011

"A la Noche la Hizo Dios"- Atahualpa Yupanqui



A La Noche La Hizo Dios

Atahualpa Yupanqui

Composição: Atahualpa Yupanqui (Letra e música)

A la noche la hizo dios
para que el hombre la gane
transitando por un sueno
como si fuera una calle.
Platicar con un amigo
oír un canto en el aire
ver el amor enredado
en la niebla de los parques
O adivinar un poema
que nunca lo escribió nadie
a la noche la hizo dios
para que el hombre la gane
La noche tiene un secreto
y mi corazón lo sabe
por mas que quiera ocultarlo
con terciopelos del aire
Me lo contó una guitarra,
hondo jahuel de saudades
lo aprendí en esas historias
que cuentan los trashumantes
Lo leí en el rojo vino
que en las madrugadas arde
lo vi brillar pecho adentro
destilando soledades
La noche tiene un secreto
y mi corazón lo sabe
a la noche la hizo dios
para que el hombre la gane

http://letras.terra.com.br/atahualpa-yupanqui/849408/

Na Índia, "Lanternas Solares para Estudantes Pobres", promovido por solarweb.net




Segundo accési
Energía solar y cooperación

Autor: Prasanta Biswas

Derechos de la fotografía cedidos a

www.solarweb.net

En Surdanbans (India), los niños de las aldeas estudian con la ayuda de linternas solares. Estas linternas han sido buatizadas con el nombre de “Aila” como el devastador huracán que asoló recientemente la región y tras el cual el gobierno indio suministró miles de estas lámparas.

domingo, julho 10, 2011

João Gilberto & Caetano Veloso - Avarandado

Coraçao vagabundo by Joâo & Caetano

Joao Gilberto e Caetano Veloso - Bahia com H

Caetano Veloso - " Onde o Rio e Mais Baiano " (1998)

Gilberto Gil e Caetano Veloso - Back in Bahia

sexta-feira, julho 08, 2011

Parque Serna Solar

quinta-feira, julho 07, 2011

Bourges Solaire 1

Bourges Solaire 1 by paspog
Bourges Solaire 1, a photo by paspog on Flickr.

Steve Jobs em Stanford





Divirta-se:

Você tem que encontrar o que você ama

"Estou honrado de estar aqui, na formatura de uma das melhores universidades do mundo. Eu nunca me formei na universidade. Que a verdade seja dita, isso é o mais perto que eu já cheguei de uma cerimônia de formatura. Hoje, eu gostaria de contar a vocês três histórias da minha vida. E é isso. Nada demais. Apenas três histórias.

-A MINHA PRIMEIRA HISTÓRIA É SOBRE LIGAR OS PONTOS

Eu abandonei o Reed College depois de seis meses, mas fiquei enrolando por mais 18 meses antes de realmente abandonar a escola. E por que eu a abandonei?

Tudo começou antes de eu nascer. Minha mãe biológica era uma jovem universitária solteira que decidiu me dar para a adoção. Ela queria muito que eu fosse adotado por pessoas com curso superior. Tudo estava armado para que eu fosse adotado no nascimento por um advogado e sua esposa. Mas, quando eu apareci, eles decidiram que queriam mesmo uma menina.

Então meus pais, que estavam em uma lista de espera, receberam uma ligação no meio da noite com uma pergunta: “Apareceu um garoto. Vocês o querem?” Eles disseram: “É claro.”

Minha mãe biológica descobriu mais tarde que a minha mãe nunca tinha se formado na faculdade e que o meu pai nunca tinha completado o ensino médio. Ela se recusou a assinar os papéis da adoção. Ela só aceitou meses mais tarde quando os meus pais prometeram que algum dia eu iria para a faculdade. E, 17 anos mais tarde, eu fui para a faculdade. Mas, inocentemente escolhi uma faculdade que era quase tão cara quanto Stanford. E todas as economias dos meus pais, que eram da classe trabalhadora, estavam sendo usados para pagar as mensalidades. Depois de seis meses, eu não podia ver valor naquilo.
Eu não tinha idéia do que queria fazer na minha vida e menos idéia ainda de como a universidade poderia me ajudar naquela escolha. E lá estava eu, gastando todo o dinheiro que meus pais tinham juntado durante toda a vida. E então decidi largar e acreditar que tudo ficaria ok.

Foi muito assustador naquela época, mas olhando para trás foi uma das melhores decisões que já fiz.

No minuto em que larguei, eu pude parar de assistir às matérias obrigatórias que não me interessavam e comecei a frequentar aquelas que pareciam interessantes. Não foi tudo assim romântico. Eu não tinha um quarto no dormitório e por isso eu dormia no chão do quarto de amigos.

Eu recolhia garrafas de Coca-Cola para ganhar 5 centavos, com os quais eu comprava comida. Eu andava 11 quilômetros pela cidade todo domingo à noite para ter uma boa refeição no templo hare-krishna. Eu amava aquilo.

Muito do que descobri naquela época, guiado pela minha curiosidade e intuição, mostrou-se mais tarde ser de uma importância sem preço. Vou dar um exemplo: o Reed College oferecia naquela época a melhor formação de caligrafia do país.

Em todo o campus, cada poster e cada etiqueta de gaveta eram escritas com uma bela letra de mão. Como eu tinha largado o curso e não precisava frequentar as aulas normais, decidi assistir as aulas de caligrafia. Aprendi sobre fontes com serifa e sem serifa, sobre variar a quantidade de espaço entre diferentes combinações de letras, sobre o que torna uma tipografia boa. Aquilo era bonito, histórico e artisticamente sutil de uma maneira que a ciência não pode entender. E eu achei aquilo tudo fascinante.

Nada daquilo tinha qualquer aplicação prática para a minha vida. Mas 10 anos mais tarde, quando estávamos criando o primeiro computador Macintosh, tudo voltou. E nós colocamos tudo aquilo no Mac. Foi o primeiro computador com tipografia bonita. Se eu nunca tivesse deixado aquele curso na faculdade, o Mac nunca teria tido as fontes múltiplas ou proporcionalmente espaçadas. E considerando que o Windows simplesmente copiou o Mac, é bem provável que nenhum computador as tivesse.

Se eu nunca tivesse largado o curso, nunca teria frequentado essas aulas de caligrafia e os computadores poderiam não ter a maravilhosa caligrafia que eles têm. É claro que era impossível conectar esses fatos olhando para frente quando eu estava na faculdade. Mas aquilo ficou muito, muito claro olhando para trás 10 anos depois.

De novo, você não consegue conectar os fatos olhando para frente. Você só os conecta quando olha para trás. Então tem que acreditar que, de alguma forma, eles vão se conectar no futuro. Você tem que acreditar em alguma coisa – sua garra, destino, vida, karma ou o que quer que seja. Essa maneira de encarar a vida nunca me decepcionou e tem feito toda a diferença para mim.

-MINHA SEGUNDA HISTÓRIA É SOBRE AMOR E PERDA

Eu tive sorte porque descobri bem cedo o que queria fazer na minha vida. Woz e eu começamos a Apple na garagem dos meus pais quando eu tinha 20 anos. Trabalhamos duro e, em 10 anos, a Apple se transformou em uma empresa de 2 bilhões de dólares e mais de 4 mil empregados. Um ano antes, tínhamos acabado de lançar nossa maior criação — o Macintosh — e eu tinha 30 anos.

E aí fui demitido. Como é possível ser demitido da empresa que você criou? Bem, quando a Apple cresceu, contratamos alguém para dirigir a companhia. No primeiro ano, tudo deu certo, mas com o tempo nossas visões de futuro começaram a divergir. Quando isso aconteceu, o conselho de diretores ficou do lado dele. O que tinha sido o foco de toda a minha vida adulta tinha ido embora e isso foi devastador. Fiquei sem saber o que fazer por alguns meses.

Senti que tinha decepcionado a geração anterior de empreendedores. Que tinha deixado cair o bastão no momento em que ele estava sendo passado para mim. Eu encontrei David Peckard e Bob Noyce e tentei me desculpar por ter estragado tudo daquela maneira. Foi um fracasso público e eu até mesmo pensei em deixar o Vale [do Silício].

Mas, lentamente, eu comecei a me dar conta de que eu ainda amava o que fazia. Foi quando decidi começar de novo. Não enxerguei isso na época, mas ser demitido da Apple foi a melhor coisa que podia ter acontecido para mim. O peso de ser bem sucedido foi substituído pela leveza de ser de novo um iniciante, com menos certezas sobre tudo. Isso me deu liberdade para começar um dos períodos mais criativos da minha vida. Durante os cinco anos seguintes, criei uma companhia chamada NeXT, outra companhia chamada Pixar e me apaixonei por uma mulher maravilhosa que se tornou minha esposa.

A Pixar fez o primeiro filme animado por computador, Toy Story, e é o estúdio de animação mais bem sucedido do mundo. Em uma inacreditável guinada de eventos, a Apple comprou a NeXT, eu voltei para a empresa e a tecnologia que desenvolvemos nela está no coração do atual renascimento da Apple.

E Lorene e eu temos uma família maravilhosa. Tenho certeza de que nada disso teria acontecido se eu não tivesse sido demitido da Apple.

Foi um remédio horrível, mas eu entendo que o paciente precisava. Às vezes, a vida bate com um tijolo na sua cabeça. Não perca a fé. Estou convencido de que a única coisa que me permitiu seguir adiante foi o meu amor pelo que fazia. Você tem que descobrir o que você ama. Isso é verdadeiro tanto para o seu trabalho quanto para com as pessoas que você ama.

Seu trabalho vai preencher uma parte grande da sua vida, e a única maneira de ficar realmente satisfeito é fazer o que você acredita ser um ótimo trabalho. E a única maneira de fazer um excelente trabalho é amar o que você faz.

Se você ainda não encontrou o que é, continue procurando. Não sossegue. Assim como todos os assuntos do coração, você saberá quando encontrar. E, como em qualquer grande relacionamento, só fica melhor e melhor à medida que os anos passam. Então continue procurando até você achar. Não sossegue.

-MINHA TERCEIRA HISTÓRIA É SOBRE MORTE

Quando eu tinha 17 anos, li uma frase que era algo assim: “Se você viver cada dia como se fosse o último, um dia ele realmente será o último.” Aquilo me impressionou, e desde então, nos últimos 33 anos, eu olho para mim mesmo no espelho toda manhã e pergunto: “Se hoje fosse o meu último dia, eu gostaria de fazer o que farei hoje?” E se a resposta é “não” por muitos dias seguidos, sei que preciso mudar alguma coisa.

Lembrar que estarei morto em breve é a ferramenta mais importante que já encontrei para me ajudar a tomar grandes decisões. Porque quase tudo — expectativas externas, orgulho, medo de passar vergonha ou falhar — caem diante da morte, deixando apenas o que é apenas importante. Não há razão para não seguir o seu coração.

Lembrar que você vai morrer é a melhor maneira que eu conheço para evitar a armadilha de pensar que você tem algo a perder. Você já está nu. Não há razão para não seguir seu coração.

Há um ano, eu fui diagnosticado com câncer. Era 7h30 da manhã e eu tinha uma imagem que mostrava claramente um tumor no pâncreas. Eu nem sabia o que era um pâncreas.

Os médicos me disseram que aquilo era certamente um tipo de câncer incurável, e que eu não deveria esperar viver mais de três a seis semanas. Meu médico me aconselhou a ir para casa e arrumar minhas coisas — que é o código dos médicos para “preparar para morrer”. Significa tentar dizer às suas crianças em alguns meses tudo aquilo que você pensou ter os próximos 10 anos para dizer. Significa dizer seu adeus.

Eu vivi com aquele diagnóstico o dia inteiro. Depois, à tarde, eu fiz uma biópsia, em que eles enfiaram um endoscópio pela minha garganta abaixo, através do meu estômago e pelos intestinos. Colocaram uma agulha no meu pâncreas e tiraram algumas células do tumor. Eu estava sedado, mas minha mulher, que estava lá, contou que quando os médicos viram as células em um microscópio, começaram a chorar. Era uma forma muito rara de câncer pancreático que podia ser curada com cirurgia. Eu operei e estou bem.

Isso foi o mais perto que eu estive de encarar a morte e eu espero que seja o mais perto que vou ficar pelas próximas décadas. Tendo passado por isso, posso agora dizer a vocês, com um pouco mais de certeza do que quando a morte era um conceito apenas abstrato: ninguém quer morrer. Até mesmo as pessoas que querem ir para o céu não querem morrer para chegar lá.
Ainda assim, a morte é o destino que todos nós compartilhamos. Ninguém nunca conseguiu escapar. E assim é como deve ser, porque a morte é muito provavelmente a principal invenção da vida.

É o agente de mudança da vida. Ela limpa o velho para abrir caminho para o novo. Nesse momento, o novo é você. Mas algum dia, não muito distante, você gradualmente se tornará um velho e será varrido. Desculpa ser tão dramático, mas isso é a verdade.

O seu tempo é limitado, então não o gaste vivendo a vida de um outro alguém.

Não fique preso pelos dogmas, que é viver com os resultados da vida de outras pessoas.

Não deixe que o barulho da opinião dos outros cale a sua própria voz interior.

E o mais importante: tenha coragem de seguir o seu próprio coração e a sua intuição. Eles de alguma maneira já sabem o que você realmente quer se tornar. Todo o resto é secundário.

Quando eu era pequeno, uma das bíblias da minha geração era o Whole Earth Catalog. Foi criado por um sujeito chamado Stewart Brand em Menlo Park, não muito longe daqui. Ele o trouxe à vida com seu toque poético. Isso foi no final dos anos 60, antes dos computadores e dos programas de paginação. Então tudo era feito com máquinas de escrever, tesouras e câmeras Polaroid.

Era como o Google em forma de livro, 35 anos antes de o Google aparecer. Era idealista e cheio de boas ferramentas e noções. Stewart e sua equipe publicaram várias edições de Whole Earth Catalog e, quando ele já tinha cumprido sua missão, eles lançaram uma edição final. Isso foi em meados de 70 e eu tinha a idade de vocês.

Na contracapa havia uma fotografia de uma estrada de interior ensolarada, daquele tipo onde você poderia se achar pedindo carona se fosse aventureiro. Abaixo, estavam as palavras:

“Continue com fome, continue bobo.”

Foi a mensagem de despedida deles. Continue com fome. Continue bobo.

E eu sempre desejei isso para mim mesmo.

E agora, quando vocês se formam e começam de novo, eu desejo isso para vocês.

Continuem com fome. Continuem bobos.

Obrigado."

quarta-feira, julho 06, 2011

LAMENTO SERTANEJO-Vanessa da Mata e Dominguinhos





Lamento Sertanejo
Composição : Dominguinhos / Gilberto Gil

Por ser de lá
Do sertão, lá do cerrado
Lá do interior do mato
Da caatinga do roçado.
Eu quase não saio
Eu quase não tenho amigos
Eu quase que não consigo
Ficar na cidade sem viver contrariado.

Por ser de lá
Na certa por isso mesmo
Não gosto de cama mole
Não sei comer sem torresmo.
Eu quase não falo
Eu quase não sei de nada
Sou como rês desgarrada
Nessa multidão boiada caminhando a esmo